segunda-feira, 12 de agosto de 2019

A Mãe das Cabeças ...



Não era história de pescador,
Não era lenda,
Não era ilusão.
Ele ouvia ao longe aquele canto,
O canto misturava com as ondas do mar
e a lua prateada criou o tapete azul.
As  estrelas  cintilavam aquela noite
O mar era o palco pra ilusão do  Velho Pescador.
Aprumou suas pernas entre as rochas,
deixou aquela onda mais suave tocar seu caminhar,
E o suspiro do Velho Homem 
rejuvenesceu  seu  olhar
e Ela surgiu do mar, igual aos contos que ouvia no cais ...
Sentado, ergueu o peito e agradeceu a visão
e temia o que o olhos viam : " quem irá acreditar em mim?"
Não era história de pescador
Não era lenda, ela estava ali
e ele a chamou : " Mãe ! Mãe! Mãe!"
o canto era forte,o coração saltava à boca
" Mãe! Mãe!  Mãe Sereia do Mar,abençoe esse seu filho errante, Oh! Odoyá!!"
Num frenesi, o Velho Homem de pé dançava igual as ondas,
a fé cresceu, a dor  passou,os olhos do Velho eram igual a um dia antes quando de jovem,
a Mãe do Mar tocou seus pés e suas mãos delicadas
tocaram  o peito do Velho Homem,
e o coração disparou
e a voz da paz inunda aquele corpo que se põe a  chorar
pela graça, pela beleza, pelo amor...
Tão depressa abriu os olhos,
e nada  será como antes
o mesmo mar, o mesmo céu, a mesma rocha
só ele não era  o mesmo.
Coisa do mar.
História de pescador.
Coisas de humano errante, sem fé.
Recolheu a seu estado de graça
e meio desconcertado ainda ficou por ali
jurando por Deus que a vira, que a tocara ...
Estalou os lábios e piscou os olhos
olhou por céu e agradeceu
por ter mais uma história pra contar
na beira do cais,
mas não era mais uma lenda
era história moldurada com aquele céu de Meu Deus,
era história de fé
que só ele carregava.
Abandonou as rochas, querendo ficar
e seguiu por terra assoviando o canto da Mãe,
deixando a casa
deixando a dor
trazendo consigo
a paz de Odoyá .. a paz do Mundo, a paz das cabeças!
Saravá Yemanjá!





terça-feira, 6 de agosto de 2019

De volta a Calunga


Na verdade nunca foi fácil, tudo era feito com cuidado.
Acumular riquezas era seu foco, desistia pouco a pouco de outras pequenas  importâncias do mundo.
Acumular.
Acumular.
Enriquecer.
E assim foi, comprar um coração era o máximo que poderia alcançar.
Comprar.
Comprar.
Amor se compra, amor se vende, amor é poder, dinheiro é poder.
Fogo e paixão não combinam.
Amor de sangue, também não.
Apenas atravessar  o Rio Nilo foi a danação.
Errou ao perdoar talvez, mas acertou no perdão mais honesto.
O fogaréu o arrebatou deste mundo, Aleluia! livre!
A vida segue, após a danação.
Testar o próximo ficou como missão, como sina.
As linhas demoraram  ao cruzar, ninguém sabe, ninguém viu, ninguém fala. Segredo.
Figura a morte e vida, como cruz ou proteção ou ainda, assim o era.
Não há calendário em seu dia.
Não há noite, nem dia. Tudo infinito.
Cruza os mundos , mas volta pra Calunga, lá é seu reino.
Aleluia! Tudo é mistério...
Firma a lei da verdade, é preciso lealdade pra cruzar seu olhar.
Não se cansa de trabalhar, a peregrinar...sempre a peregrinar.
Lá vai com sua capa negra outra vez prá Calunga
depois de cruzar o mundo,
depois de assistir a fogueira,
depois de acumular tudo outra vez,
depois de comprar o amor,
depois de saber que nem tudo  é poder,
Salve seu Exu Caveira!
Laroyê!






Ele é Odara


Ainda debaixo  do maior clarão da lua, ou ainda que a  rua fosse estreita e durante mesmo quem não quisesse, ao menor passo da escuridão ele estava por lá, a espreita....tão só, tão sóbrio.
Não existia hora.
O relógio marcava qualquer hora, mas, ele estava por lá, não à toa, não por nada.... ali era seu lugar.
Pouco sabia de seu passado,  o futuro era tão incerto quanto e o presente era a sua vida. 
Seus ouvidos ouvem o que o outro  não quer ouvir, sua boca, aah! sua boca  fala aquilo que ninguém quer ouvir também mas, seu olhos, marejam por aquilo que ele não quer ver. 
Segue igual.
Sóbrio. Solitário, não sozinho, mas segue.
Em suas mãos a estância da vida, o perfume é dos mundos: de café, de cigarro, de revista, de um abraço de mulher, às vezes uma noite de ópera ou ainda o cheiro de alguém perdido na beira de algum cais.
O medo é sua fortaleza, e a coragem sua fraqueza, segura sua bengala como um mastro, como o melhor amigo, e sua cartola condena aquilo que seus olhos negam a ver. 
Há humor em sua voz, e ele se firma quanto está a espreita em qualquer esquina, não espera ser amado, mas, ama. 
Ama sem pudor, sem fronteiras.
Entra e sai onde quer e se decide ficar, poucos conseguem demover sua decisão.
Seu amigo não é amigo, seu  inimigo é o mais leal.
Nada passa longe de seus passos e elegantemente  às vezes senta pra ver a " banda passar".
Ele canta....canta várias melodias, canta hinos de batalhas, canta hinos de louvores, por que por onde passou, gosta de relembrar as maravilhosas melodias. 
Veio de longe, e sempre está por perto.
Quando é chamado, vai ao encontro devagar: imponente mas, chega.
Quando não é chamado, os ouvidos ouvem e dali mesmo executa...ele não se furta às suas obrigações.
Um dia de cada vez.
Uma pessoa por vez.
A gentileza é seu cartão de visita, e por isso bebe devagar, fuma com elegância.
Não tem lei, executa. Faz suas próprias leis.
Quem quiser vê-lo, deve se despir de preconceito, deve deixar luxuria de lado, basta ser humano.
Um dia de cada vez.
Sua luz está  ao redor de sua silhueta, e pra quem pode ver, já pode sentir.
Ele é o que é.
Ele tem um pouco de você, de mim, de nós.
Ele é Odara.
Ele é Exu.
Ele tem muita luz.
Ele é Nosso Mestre Tranca Ruas.
Laroyê.
Vire a esquina, lá ele estará... com certeza ...
Sinta o cheiro do mundo que ele trás...
ouça a melodia que assobia...que encanta
que hipnotiza...que arrepia...
Isso é Exu.
Isso é vida.
Laroyê.



Odé e Oxum

E era  amanhecer,
nunca ninguém vira um céu avermelhado assim,
o cheiro de sangue  que pairava no ar, as aves dissiparam em seus vôos autoritários,
nada seria como antes, mas, esse céu  predizia um novo tempo.
Dentro da mata, ouvia ainda o pio dos bichos,
os passos de cada bicho grande
e no último galho de cada árvore
uma ararara cantava a paz,
era um cantar cada vez mais leve
depois, toda mata em festa  começara a fazer companhia a Odé ...
Odé estava triste, Odé tinha mágoa mas, estava hipnotizado com o Céu de Olorum
agachou a margem do rio e engrossou a sinfonia da mata.
No meio do rio, que estava brando
a moça de Ouro aparece devagar ... " bela moça!" - distraiu Odé
seu manto confundia com as águas do rio,
em suas mãos o espelho do futuro e dançava, não chorava
sabia que aquele caçador não precisava de  mais rancor, mais ira, mais dor
cantava o som do consolo, da paz, da energia da esperança!
Odé suspirou, Odé abaixou sua cabeça, Odé se encantou por Oxum ...
A mata num único som abraçou o sol sobre os dois,
e o rio, antes brando agora começava a se mexer,
um ir e vir daquela mulher
que, por Benção de Olorum transformou o céu azul, um manto azul claro,
Odé sorriu , nem tudo estava perdido,
era  preciso às vezes recuar
e silenciosamente guardar seu lar: com firmeza e ternura.
Assim é  Odé,
Assim é Oxum
que com mexilhão das águas do rio
e a flecha certeira de Odé
protegeram a mata
e até hoje, cada bicho solta um pio, 
vem na frente , abrindo caminhos para Odé e Oxum
que caminham  lado a lado entre rios e matas,
entre cachoeiras e pedreiras
entre céu e terra,
entre dia e noite ...
Não há um caminho que Odé não conheça
Não um rastro que Oxum  não abençoe ...
quanto ao cheiro de sangue?
está guardado,
ora debaixo de sua flecha
ora debaixo de seu espelho de feiticeira
prá aqueles que desrespeitam o solo sagrado de Odé e Oxum ...
Salve Oxossi!
Salve Oxum!