segunda-feira, 11 de março de 2019

Embarca em meus olhos



Aquela noite talvez seria a última.  Ou não. O que importava mesmo é que naquela noite quente de verão, eles estariam juntos  sem saber do amanhã.  Nada importava enquanto o tempo passava, enquanto as estrelas caiam e logo  logo seria   o amanhã.
Entre abraços, olhares  ela insistia em ir com ele. Ele por várias vezes justificava que não  poderia protegê-la  por lugares nunca antes idos... e ela, com seus olhos negros e firmes,  afirmava que não era proteção que buscava, e sim, a ele. Ela conseguia fazê-lo ficar mudo, e ele, a conseguia ter forças,  ficar  grande e combatente. Isso era sua essência, ela sabia  o  que ele havia ressuscitado nela. Era mulher. Mulher guerreira com espada na mão era perigo, era audaciosa, era coisa de homem. Ele não a via assim. Ele  de fato sabia que não precisava protegê-la, ele só a queria ao seu lado... pra qualquer canto do mundo. Pra qualquer lado do oceano, mas, ele não poderia levá-la. Seu coração sabia disso.  Tentava enganá-la. Impossível. Ela não se aquietava, e segurou seu amado durante toda a noite como  rocha...
A Tenda era calma. Não era um ninho de amor, mas, para ambos, era  o  luxo já prometido e  satisfatório. Estar a sós já era um triunfo  em meio aos  dias de guerras e sangue, de gritos, de incêndios e mortes. Recolher corpos era uma costume, chorar pela perda de um soldado  já era rotina, portanto, estar a sós era sim um Presente dos Deuses. Ela agradecia. Ela orava. Ela estava feliz, a apertou seu amado  segura que  ele não sairia de seus braços longos, suaves e perfumados. Enquanto isso, ele fitava o teto da tenda, e via  a lona  movimentar  pelo vento lá fora. Ouvia os homens  lá fora bebendo, rindo,  o estalar dos caixotes e barris sendo amontados em carroças para dia seguinte: iriam partir. Poderia ouvir também alguns homens rezando em algum canto da parede da tenda,  ouvia os cavalos  ciscando o chão procurando  calma , poderia também sentir o odor da bebida lá fora. Esses homens bebiam sempre. Por qualquer  motivo. Quase saiu pra estar com eles, preferiu ficar.  E assim o fez, hipnotizado pelo  balançar   do teto da tenda, adormeceu.
Subitamente abriu os olhos, e ao seu lado  a cama estava vazia.  Agarrou o vazio  com suas mãos e entre os dedos  os anéis apertavam o vão . Suas mãos nunca segurara algo tão forte algo assim. Soltou os lençóis e  aqueles anéis de pratas entre os dedos mais femininos que há constatou:ele se fora. Olhou pro teto, vasculhou  por toda tenda temendo ser precipitada, mas,  seu instinto a fez   parar de respirar, tinha esperança ainda de vê-lo por ali, de senti-lo por ai. Não estava. Ele partira. De seus olhos não caíram lágrimas, sua boca estava cerrada, seus lábios carnudos traduziam um misto de raiva e saudade antecipada, de medo, de dor. Sentou-se, acomodou-se em uma das almofadas, não iria abraçar nada que lembrasse ele, e vestiu uma túnica azul celeste,  vestiu o couro da espada em forma de cruz e  acomodou a espada nas costas, desembainhou a espada: mirou ali seus olhos... e decidiu: partir. E foi. Sua espada desenhava seus seios, seus cabelos longos e revoltos ainda condenavam que na noite anterior  fora acariciada, seus brincos longos, de alpaca azul  e   sua pele tudo  nela lembrava ele.  Arrancou a porta de pano da tenda, todo acampamento estava vazio ... só Brisa estava  por lá... Só Brisa... montou e segurou sua crina e a égua já sabia por onde começar e  e foi... ao passo , mirou seus pés... estava descalça, isso prá um guerreiro é " tudo ou nada" estava livre, pra onde quer que fosse, estava livre.... Brisa tomou  o rumo, estava indo atrás de uma presa.
A moça seguia  com muito vigor até o mar. Lá ele estaria. Precisa  e mais  rápida que o sol.... Mas Brisa sentia o palpitar de sua amiga em cada  curva da floresta...
Em meio a orla, O belo Pirata  carregava suas caravelas ..havia esquecido de fatos quantas eram ...uma, duas... não se lembrava bem, estava meio  sisudo, meio  apático, não havia pressa nos carregamentos, mas também não havia  morosidade, vez ou outra olhava o horizonte,  atreveu-se a vigiar ao longe  com sua luneta ... não viu. Os homens ente si pouco se falavam, sabiam que seu Capitão não estava empolgado,  " talvez o medo de morrer, essa jornada seria muito diferente" - resmungavam ente sim, o Capitão sequer ralhou  com um dos  marujos que já bebia..." homem bêbado é  um  homem desprevenido" - chutou um caixote e afastou o velho bêbado do  caminho. Capitão  começou a dar sinais  de que nada importava. Recusava a falar consigo mesmo, mas, estava arrependido ... o  carregamento seguia  de maneira fúnebre, ora ordeira, ora não, mas, seguia....
Seguia a égua  em sua velocidade mais  impossível, a moça e o animal era um ser só, estavam em busca do mesmo, enquanto a moça arfava pelo temor  em perder, o animal  ciscava a cada curva perigosa. Em sua mente nada passava. Seus olhos  viraram um barco, lágrimas caiam sem piedade  atrapalhando a visão, mas a égua  seria seu prumo, ela precisava de  mais, precisava dele...portanto, desistir jamais.
Ao longe o Capitão insistia o oposto: não precisava de mais nada. Era hora de partir, alguém  atreveu em perguntar se a moça iria embarcar ...naquele velho marujo ele viu os olhos de Deus e e reconheceu o erro e disse um não  embargado. O velho marujo, retirou o chapéu sujo da cabeça, coçou  o ralo cabelo, mirou o mar numa mesma direção do Capitão  e  lamentou o não, lembrando que o tempo não voltaria....que ela deveria embarcar não no navio, mas, nele também. Respeitosamente  abaixou sua cabeça envelhecida, colocou o chapéu  e  subiu a proa com seu corpo de idade avançada e  recolhendo as cordas mirou pela ultima vez seu Capitão e viu o homem mais triste e indeciso... mas, era preciso seguir...
Cada árvore cada poeira da estrada era mesmo o  fim de mundo. Ela e Brisa conheciam o caminho, mas, de  repente tudo  ficou distante ...longo, talvez  seria melhor desistir....prá que seguir? ainda  sentia o corpo dele em seu, o cheiro e a força da vida...o vento não levaria  aquele cheiro...cada trotar  da  égua era mesmo um passo ao futuro ou ao fracasso,  seguia, com lágrimas aos olhos embebecida pela tristeza da partida .... sim, ao menos  o adeus ela merecia... sim ....
O forte do homem velho dava ordem em partir.  O céu  nublado era um  mau pressagio... era como um pedido do mar e da terra não se separarem, ainda assim, o Capitão  não mudou de ideia, e novamente o grito de ordem, da voz  idosa do homem   colocou cada homem em seu posto  em cada caravela....um frenesi tomou conta de cada homem, e na caravela principal, lá estava o homem que  decidia o destino de cada homem , inclusive o dele.  Subiu  na proa, agarrou o mastro tão forte quando a moça  agarrou os lençóis naquela manhã. Estava partindo, de costas pra terra, firmemente olhando o mar, lá iam caravelas  iam, seguindo  mar adentro... não era possível voltar.
Finalmente Brisa trouxe sua amiga ao   seu  destino. A égua descia aqueles rochedos com destreza e  rapidez, a Linda Morena via as caravelas  já quase em alto mar. Pediu prá égua parar. Ambas estavam  cansadas, mas, era melhor desistir. A moça olhou para o céu, nublado, mar revolto, era um mau sinal... melhor mesmo não seguir.... " eu te liberto"  -disse prá si  em lágrimas, e o quadro daquela vida era o céu.... Capitão de  costas pra terra, negando  ver a silhueta  da moça, ergueu a cabeça e friamente engoliu seu choro e desembainhando a espada pediu velocidade às caravelas, não por pressa, e sim, por fuga...sabia que uma Guerreira  seria capaz de tudo.....
Entre rochedos, e as ondas  do mar, a moça e a égua se abraçavam e aprenderam que ser Guerreira não é lutar, e sim, é não  guerrear com seu semelhante ... ela também teria partido sem ele, concluiu... Coisas de almas, coisas de luta, coisas de guerreiros... e dali, ela o via  desaparecendo até firmar um ponto  na virada do mar ... sem se importar com nada, montou em sua égua e tranquilamente voltaram pra suas vidas, mansas e em paz ....




Nenhum comentário:

Postar um comentário